Quem é Sara Simões?
Já em criança, eu gostava de ficar sossegada num cantinho a desenhar. Hoje ando sempre com o meu diário-gráfico (a que também chamo por vezes “kit anti-secas”) e aproveito as viagens de comboio para praticar um pouco o desenho de figura humana, ou um tempo de espera para registar o aspecto de uma rua ou de uma árvore. Na verdade sinto-me um pouco nua se sair de casa sem um caderno e qualquer coisa que risque.
O meu percurso profissional começou com a conclusão da licenciatura em Design Industrial e já passou pelo projecto de mobiliário e stands para feiras, a concepção de personagens, ambientes e storyboards para animação 3D, a ilustração e a criação de interfaces gráficos para software educativo.
Em 2005 iniciei o curso de Ilustração Científica com o biólogo e ilustrador Pedro Salgado. Este curso junta duas das coisas de que mais gosto: o desenho e a natureza. Pús-me a desenhar musgos e outras plantas e a partir de então nunca mais quis largar a ilustração.
Desde 2007 faço desenho de campo com Pedro Salgado e o Grupo do Risco, associação de defesa do ambiente, que realiza expedições com o objectivo ulterior de divulgar o património ambiental e a biodiversidade através da arte, nomeadamente através de exposições e livros. Já participei nas expedições às Berlengas, Douro Internacional e Amazónia.
Como "nasceu" a ideia deste livro "Uma mão cheia de amoras"?
O tema da floresta já andava na minha cabeça há muito tempo e já tinha começado a aparecer nos meus trabalhos de desenho seis anos antes de eu conceber o livro Uma mão cheia de amoras. Mas foi a proposta da ilustradora Marina Palácio que me fez desenvolver este imaginário, através da criação de um novo “recheio” para o seu projecto de edição artesanal Massa Folhada.
Quis explorar uma abordagem invulgar à criação de um livro e por isso escolhi as transparências e a ilustração a tinta-da-china. Desta forma consegui criar um precurso que se vai desvendando à medida que o livro é folheado. A metáfora da vida como uma caminhada contaminou este trabalho, que acabou por não ser um simples exercício de estética e tornou-se também uma experiência em que o “leitor” das imagens pode encontrar um sentido pessoal na “narrativa”.
Como foi o percurso até à sua publicação?
Foi uma situação de edição independente e auto-financiada.
O processo criativo que levou à concretização do livro foi em parte determinado pelo espírito da colecção Massa Folhada. Trata-se de uma colecção de objectos-livro, em que conteúdo e apresentação são pensados como um todo, incluindo sempre uma vertente experimental, lúdica e original. O design gráfico e a edição são feitos pela Marina e os livros têm um acabamento artesanal. A escolha do formato A6 e o preto e branco estão directamente relacionados com as técnicas de produção a baixo custo de poucos exemplares, nomeadamente a impressão a preto e branco em A4, que depois é cortado e aparado manualmente.
A distribuição é feita através de poucas lojas (do ramo livreiro mas também do ramo do artesanado contemporâneo), de um blog e do contacto pessoal.
Quais as tuas influências?
As principais influências foram o trabalho a pincel da caligrafia chinesa, o curso de Ilustração Científica e a linguagem da xilogravura (sou admiradora do trabalho de Dürer, Doré, Aubrey Beardsley...)
Além disso tenho o meu gosto pela natureza, pelas caminhadas, pelas plantinhas que encontro e que gosto de desenhar. Também tenho a consciência de que o ambiente natural está ameaçado e de que as pessoas estão demasiado concentradas na sua vida citadina confortável e que é necessário voltar a aproximá-las da natureza. Espero que este livro seja uma pequena ajuda para despertar mais compreensão e respeito pelo mundo natural.
Projectos futuros?
Gosto muito de desenhar as plantas portuguesas e o seu desenvolvimento ao longo do ano. Por isso penso criar uma agenda ilustrada com os fenómenos naturais próprios de cada época: por exemplo os bolbos a florescer no início da primavera ou as laranjas maduras no inverno. Será uma forma de usar um objecto utilitário para transmitir ao seu utilizador uma consciência das mudanças que se operam em cada semana do ano e que são dignas da sua atenção.